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sexta-feira, 2 de abril de 2021

FELIZ PÁSCOA!

A todos e todas que compartilham a fé cristã, o Sispec deseja que a Páscoa seja o momento de reflexão e crescimento espiritual, para fortalecer a solidariedade e renovar a esperança por dias melhores. Nesses tempos difíceis e dolorosos, é hora de darmos as mãos e cuidarmos uns dos outros, na luta por um amanhã mais alegre e luminoso. #Sispec34AnosDeLutas


terça-feira, 30 de março de 2021

MARÇO MULHER: ESTOU VEREADORA, ESTOU DIRETORA SINDICAL, ESTOU DEPUTADA... E AGORA?

Em março comemoramos o Mês da Mulher, e talvez seja um momento para refletirmos o conceito de sororidade, não apenas conceitualmente, como também no que se refere à ação. Por isso resolvi falar um pouco de mim, pode não ser tão interessante, mas é a vida real como a de diversas mulheres. Vou começar do início, não muito numa ordem cronológica, somente para compreender algumas questões. Nasci em uma cidade com apenas 13 mil habitantes, num povoado com 300 habitantes, que só tinha até a 4ª série. Pensar em ir além disso era um sonho distante e podado por acharem que estávamos divagando, numa época em que o ensino fundamental II só tinha na cidade e não havia a universalização da educação. Quem geria o ensino fundamental e médio eram as entidades filantrópicas, geralmente ligadas à Igreja, que poderia fornecer bolsas parciais. Mas para nós da zona rural era uma ousadia pensar nisso, a não ser que nos submetêssemos a morar na casa dos “ricos” da cidade, fazendo as tarefas domésticas em troca de tentar ir à escola.
Felizmente eu tinha um tio que foi um exemplo para mim e que sempre dizia o seguinte: “A única riqueza que levamos com a gente é o estudo”, então ele conseguiu com todas as dificuldades abrir uma porta, levando seu filho e sua filha para uma casa simples na cidade, e que mostrou o caminho para o restante da família, nesse caso a sobrinha, como eu, e os outros sobrinhos, com isso conseguimos, com todas as adversidades, ir seguindo.
Sempre fui muito estudiosa e também sonhadora, tinha ainda aquela ilusão do querer é poder, não tinha a menor noção das diferenças de classe e raça, então na minha cabeça tudo dependia de mim porque aprendi assim. Lembro que até o primeiro ano de magistério (porque o ensino médio também era só magistério), nunca tinha ouvido falar em vestibular e para que servia, até quando um amigo que tinha poder aquisitivo mais elevado me falou desse “monstro”. Naquela época, muitos iam cursar direito em Governador Valadares (MG), mas eu, como era o poço da “prepotência”, já tinha buscado me informar sobre vestibular e qual era a melhor universidade do País, que para mim era a USP, e eu, pobre menina do interior, que fiz magistério em uma escola pública (aí já havia tido uma mudança e tinha passado a ser público), iludida com otimismo exacerbado ia fazer jornalismo na USP, e aí eu já queria mudar o mundo.
Saí do interior aos 19 anos com a cara e a coragem e fui morar em São Paulo, com a fixação de entrar na USP. O primeiro entrave que encontrei foi com quem iria morar e como iria pagar minhas contas, então passei por diversos empregos precários que eram o que hoje tenho a compreensão de terceirizado, só que a forma lá eram agências de emprego que pegavam para Nestlé, Nadir Figueiredo, entre outras. Trabalhávamos 3 meses, aí já éramos encaminhados para outra empresa para não criar vínculo, e fiquei nessa por mais de um ano. Não tinha desistido do meu sonho, mas já tinha levado um balde de gelo e sentido a realidade. Procurei os cursinhos pré-vestibulares, todos extremamente caros, que meu salário precário não me permitia pagar, mesmo tendo descontos. Tinha um cursinho gratuito na USP, mas eu morava de um lado da cidade e o cursinho era do outro, quem conhece São Paulo sabe o que é morar na zona norte e ir para a zona oeste, que era onde ficava a Cidade Universitária, não conseguindo fazer o cursinho no pouco tempo que eu tinha e estudava com uns módulos que consegui com as poucas pessoas que tinham entrado na USP. Fiz a inscrição para jornalismo, um dos 3 cursos mais concorridos da USP, que só entrava a elite. Mesmo as porradas não me tiravam o restante de esperança que tinha, certamente não passei e resolvi adiar um pouquinho o meu sonho para buscar um emprego que pudesse dar o mínimo de decência, então consegui entrar em uma financeira. Inicialmente tinha entrado em uma vaga para loja, na parte onde fica o crediário, mas com menos de um mês fui chamada para trabalhar na empresa internamente, pois tinha sido a melhor no treinamento e eles queriam que eu fosse aprovadora de crédito. Gostei do reconhecimento, apesar de sofrer as piadinhas machistas por ter um bom desempenho, pois matemática, segundo a visão deles, era matéria de homem, então uma mulher não podia se dar bem naquilo, no meu caso particular matemática de fato não era o meu forte, não pelo motivo que eles falavam, mas por ter feito magistério, que não tinha aprofundamento em matemática. Só que eu tinha feito 2 anos de contabilidade e a matemática de lá era financeira, consegui me dar bem, fiquei lá por mais um ano e meio, consegui até ser promovida para treinamento dos novos, entretanto meu sonho de estudar estava sendo deixado de lado, vi que estava indo para um caminho que não me completava, e a morte do meu avô, com quem eu era muito apegada, me fez decidi retornar a meu sonho.
Queria recomeçar de outra forma, teria que ressignificar, e como sabia que geralmente no início do ano havia demissões na empresa, conversei com meu chefe que me incluísse nas demissões, ele hesitou, tentou me convencer, mas tinha certeza de que o que eu queria não estava ali, então retornei para a Bahia. Nessa época a minha cidade tinha uma casa de estudante na capital, então fui morar lá na casa, onde encontrei várias amigas e amigos que tinham os mesmos sonhos que eu e demos as mãos. Investi minha rescisão no cursinho e no que eu precisava para me manter ali, mas mesmo me dedicando muito não consegui passar em jornalismo, que na Ufba também era um dos cursos mais concorridos, e mais uma vez tive que recuar, porque precisava de dinheiro pra me manter na capital. Foi quando surgiu o concurso para recenseador do IBGE em 2000, e resolvi fazer para meu interior, porque assim ficaria em casa e poderia juntar o dinheiro para me manter em Salvador no ano de 2001 e só me dedicar a estudar. Então fiquei no interior e nesse período houve uma atividade que se chamava Ufba em Campo, era um curso de vereadores, mas ministrada por alunos de ciência política e sociologia. Essa atividade mudou minha vida, não na questão política, porque eu já sabia qual era o meu lado desde muito nova, mas isto é outra história. Esse curso mudou minha vida porque tomei consciência sobre qual era o curso que de fato eu queria fazer e que a minha perseguição por jornalismo era apenas uma visão equivocada do que de fato eu queria. Foi aí que retornei em 2001 decidida a fazer ciências sociais, já não retornei para casa de estudantes, porque por conta de perseguições políticas o companheiro Rogério Athayde (in memorian) nos abrigou em um apartamento em localidade centralizada que nos permitia a locomoção a pé para todos os lugares, inclusive na biblioteca pública dos Barris, e ainda conseguimos um bom desconto no Curso Integral, que também tinha companheiro lá, além das regalias de poder ir em outros horários para estudar.
Então finalmente passei no vestibular, mas nesse decorrer Rogério Athayde faleceu e tivemos que sair do apartamento. Porém, como parece que na minha vida naquele momento as coisas iam se encaixando, fiz a inscrição na residência universitária da UFBa e fui selecionada. A residência foi uma das melhores universidades que tive, lá tínhamos que conviver com pessoas dos mais diversos cursos, de todas as regiões da Bahia, além de muitas de outros estados, por lá construí diversas amizades, desconstruí muitos preconceitos, participamos ativamente da vida política da universidade, ocupamos o serviço de seleção e a Reitoria. Participamos de uma das maiores greves de estudantes da Universidade, bem como participamos dos movimentos da política de cotas. A residência universitária era onde surgiam e eram debatidas todas as atividades política da UFBA, pois além dos residentes participarem ativamente, os movimentos estudantis sempre se organizavam lá. Era lá que ficávamos contando quantos conselheiros tínhamos no Conselho Universitário e no Cosepe a favor dos estudantes, além de procurarmos instrumentos para convencer os outros.
Talvez tenha até me perdido um pouco para poder tentar chegar aonde quero, que é na aplicação da sororidade, na empatia e no entendimento de que para as mulheres estarem em alguns espaços há um discurso de sororidade, mas que na realidade a reprodução da sociedade patriarcal está presente em todos os momentos. Estou falando isso porque compreendo a necessidade de repensarmos nossas ações e deslegitimação das pessoas, sem compreender cada passo dado, cada passo conquistado e como nos impedem e nos sabotam. Estou hoje ocupando a presidência de uma instituição sindical, só me coloquei à disposição desse cargo no momento em que me senti preparada, não foi algo recebido de bandeja, foi construído passo a passo com muitos estudos, participação em cursos, em movimentos, busca de entendimento das leis educacionais, porque, ao contrário do que muitos e muitas pensam, as leis voltadas para educação, desde artigos da constituição, LDB, Fundef, Fundeb, Lei do Piso e outras, todas, foram fruto da construção de educadores e educadoras, e Jurídico e Legislativo só para revisão e colocar os termos de lei. Por isso ninguém melhor para entender de lei da educação do que educadores e educadoras. Todos e todas são capazes por conhecer a realidade e necessidade. Nos esbarramos em discursos de que sindicatos têm que ser apolíticos, sem entender que a instituição na sua essência é uma instituição política baseada no princípio da igualdade, da equidade, da justiça, que todas e todos precisam se compreender como trabalhadores e trabalhadores, e não estamos dissociados de nenhuma categoria, que a luta por direito é única, só assim nos fortalecemos. Mais uma vez fujo do que eu gostaria de dizer, que são as dificuldades de ocupar um espaço como a presidência de um sindicato, isso já começou lá atrás, antes da eleição, quando surgiram pequenos cards colocando como a louca e desequilibrada, porque uma mulher ousar ocupar um espaço e falar com mais firmeza, ou até mesmo ter que falar em um tom mais alto, quando se está no meio de muitos homens, vem logo a frase: calma, você tá muito nervosa, enquanto eles te cortam na sua fala o tempo todo, exatamente para poder falar essa frase. Foram muitos ataques nesse sentido, além da tentativa de nos tachar como intransigente, que não conversa, não negocia, quando nunca nos furtamos de participar de nenhuma reunião, de conversar com ninguém. Certamente temos uma concepção política e um lado, entretanto não deixamos de conversar ou participar de nada, esse é o nosso papel enquanto instituição. Hoje quando buscamos avaliar vemos como as pessoas não percebem a reprodução dessas atitudes patriarcais, buscam não avaliar a conjuntura tão adversa, que nesse momento a luta é para não perder direitos, mesmo assim, ganhamos umas perdemos outras, mas a conjuntura atual é bem diferente de 5 anos atrás, então não se consegue avaliar achando que a política do espetáculo vai fazer as coisas mudarem. Enquanto não compreendermos que estamos em um sistema capitalista, em um governo federal de ultradireita, um governo municipal de direita, que a realidade de 5 anos era outra, as lutas tinham outra motivação que era a ampliação de direitos, não a luta para não perder direitos. O remédio não são as receitas prontas, achar que estou oferecendo a receita ou achar que o Judiciário pode resolver. O momento é de consciência de classe, de unidade, de não se sentir melhor do que outro, hoje o ataque é geral, é a todos os sindicatos, independentemente de a qual central pertença, por isso as formações de diversas frentes progressistas, seja de partido, de movimento social, de sindicatos, sem isso não chegaremos a lugar algum. Ficar atacando uns aos outros é o caminho da autodestruição, ninguém sairá ileso dos ataques, a conta chega e direitinho pra todo mundo, ou compreendemos quem são nossos inimigos e nossas inimigas ou estaremos fadados ao fracasso de pôr em prática o projeto político que desejamos.
Por fim, quero voltar ao assunto principal que é buscarmos de fato exercer o que pregamos que é a sororidade, é entender que temos uma categoria majoritariamente feminina, que é a segunda mulher que está na presidência de uma entidade em momentos totalmente distintos, a primeira numa gestão progressista, a outra em uma gestão de direita, com os mesmos atores que já haviam praticado as mesmas perversidades até 2004, e que a forma de reconstruirmos é através de princípios e concepções políticas, de ideais, não do achismo desconectado do que é preciso discutir de fato, que é a luta por uma sociedade justa e igualitária, e cada um e cada uma sabendo qual o seu papel nessa retomada, se aprofundando no que se propõe, para não fragilizar todo um grupo.
Somos forjados na luta, nunca nos furtamos dos embates, tudo é construção, é aprendizado, é busca, e essa busca é pautada na ética, no respeito em princípios, que alguns talvez desconheçam. Nunca nos pautamos pelo oportunismo, ou pela falsa luta coletiva, que muitas vezes o individual sobrepõe ao coletivo. A luta da classe trabalhadora é universal, e estamos aqui abertos a essa luta, como sempre estivemos abertos a debates que sejam em prol de uma educação pública, laica e acima de tudo transformadora e por uma sociedade justa e igualitária.
Viva a classe trabalhadora, viva todas as mulheres, que mesmo com as adversidades e opressões, vêm lutando incansavelmente para serem reconhecidas em todos os espaços de poder, combatendo o patriarcado e o machismo.

#OrgulhoDeSerMulher
#GratidãoPorTudo
#ForaBolsonaro

Márcia Eulaine Lima Novaes

(Professora, Cientista Social, Especialista em Política de Gênero e Raça; Presidenta do Sispec; Secretária Estadual de Cultura da CUT-BA; Formadora Sindical da CUT e membro do Fórum Estadual da Educação)